O “Meio de Campo” de hoje relembra a tragédia que marcou a vida do Atlético e, em particular, de um jogador, na decisão do título brasileiro de 1980 contra o Flamengo no Maracanã. Trata-se da história do zagueiro Silvestre, recontada no último programa do ano, dedicado ao magro centenário alvinegro.
Tragédia, no sentido dado pelo teatro grego de Sófocles, Eurípedes e Ésquilo, cujas origens nos fazem recuar 2500 anos, narra o sofrimento humano diante de forças que não pode controlar e em face das quais tem de tomar uma decisão. Silvestre foi personagem de uma situação assim na tarde de 1º de junho daquele ano.
O cenário armado era digno dos grandes momentos de catarse e expiação, característicos da tragédia grega. No Maracanã, quase 150 mil torcedores assistiam ao confronto entre as duas melhores equipes da competição, num dos mais tradicionais clássicos do futebol brasileiro. Dentro de uma escala que remete ao Olimpo do futebol, titãs estavam frente-a-frente. Do lado do Flamengo, Raul, Júnior, Carpegiani e Zico. Defendendo as cores alvinegras, Luisinho, Cerezo, Éder e Reinaldo.
O empate daria o título ao Galo, dono do time mais brilhante e do melhor desempenho no campeonato. O Flamengo saiu na frente duas vezes, com Nunes e Zico. Reinaldo, mesmo sentindo dores musculares na coxa, calou duas vezes o Maracanã ao igualar o marcador para o Galo.
Como nas tragédias, tecidas pelo capricho dos deuses, um ser humano demasiadamente comum, o juiz José de Assis Aragão, não apenas marcou erradamente um impedimento como expulsou Reinaldo por reclamar do lance. A poucos minutos do final, o Galo enfrentava com dez jogadores a força do destino. É aí que aparece Silvestre.
Para ser mais exato, surge Nunes, diante de Silvestre, os dois cara-a-cara, dentro da grande área; o zagueiro, a poucos minutos do apito final que lhe daria acesso ao panteão de heróis de Lourdes. Naquela fração de segundos que envolveu o drible de Nunes, Silvestre escolheu o que lhe pareceu certo – prever a carga do centro-avante flamenguista para dentro da área. Nunes fez o contrário – cortou para a linha de fundo e encontrou por lá o caminho para as redes de João Leite e a imortalidade.
O que a reportagem de Roberto Amaral mostra no programa de hoje são as marcas deixadas pelo episódio trágico na face do cidadão Geraldo André Silvestre. Responsabilizado injustamente por uma derrota que se assentou sobre os ombros da equipe e dos erros de arbitragem que sempre roubaram do Atlético o lugar de destaque que merece no “cenário esportivo mundial”, Silvestre foi negociado e teve sua carreira, estigmatizada pelo episódio, abreviada.
Na delicada abordagem levada ao ar hoje no programa, encontramos um Silvestre de sorriso triste, ainda envergando as camisas do Galo, para o qual não deixou de torcer. Vítima de outros revezes do destino, como o da doença que lhe levou uma filha que não completara 14 anos, Silvestre, digno, controla as lágrimas e diz que “continua correndo atrás”. Ele vende coco verde e caldo de cana num bairro humilde de Contagem.
Silvestre, quase 30 anos depois, continua correndo atrás. Movido pela convicção de quem agiu como lhe pareceu certo, o zagueiro segue adiante, defendendo a meta da família e sonhando com um título do Galo para colocar no lugar, hoje como torcedor, daquele que um capricho da bola fez escapar na condição de atleta.
Ao atleticano Silvestre, personagem da tragédia alvinegra, fica uma homenagem do ”Meio de Campo” no apagar de luzes do centenário. Feliz ano novo!
Alexandre Freire
Tragédia, no sentido dado pelo teatro grego de Sófocles, Eurípedes e Ésquilo, cujas origens nos fazem recuar 2500 anos, narra o sofrimento humano diante de forças que não pode controlar e em face das quais tem de tomar uma decisão. Silvestre foi personagem de uma situação assim na tarde de 1º de junho daquele ano.
O cenário armado era digno dos grandes momentos de catarse e expiação, característicos da tragédia grega. No Maracanã, quase 150 mil torcedores assistiam ao confronto entre as duas melhores equipes da competição, num dos mais tradicionais clássicos do futebol brasileiro. Dentro de uma escala que remete ao Olimpo do futebol, titãs estavam frente-a-frente. Do lado do Flamengo, Raul, Júnior, Carpegiani e Zico. Defendendo as cores alvinegras, Luisinho, Cerezo, Éder e Reinaldo.
O empate daria o título ao Galo, dono do time mais brilhante e do melhor desempenho no campeonato. O Flamengo saiu na frente duas vezes, com Nunes e Zico. Reinaldo, mesmo sentindo dores musculares na coxa, calou duas vezes o Maracanã ao igualar o marcador para o Galo.
Como nas tragédias, tecidas pelo capricho dos deuses, um ser humano demasiadamente comum, o juiz José de Assis Aragão, não apenas marcou erradamente um impedimento como expulsou Reinaldo por reclamar do lance. A poucos minutos do final, o Galo enfrentava com dez jogadores a força do destino. É aí que aparece Silvestre.
Para ser mais exato, surge Nunes, diante de Silvestre, os dois cara-a-cara, dentro da grande área; o zagueiro, a poucos minutos do apito final que lhe daria acesso ao panteão de heróis de Lourdes. Naquela fração de segundos que envolveu o drible de Nunes, Silvestre escolheu o que lhe pareceu certo – prever a carga do centro-avante flamenguista para dentro da área. Nunes fez o contrário – cortou para a linha de fundo e encontrou por lá o caminho para as redes de João Leite e a imortalidade.
O que a reportagem de Roberto Amaral mostra no programa de hoje são as marcas deixadas pelo episódio trágico na face do cidadão Geraldo André Silvestre. Responsabilizado injustamente por uma derrota que se assentou sobre os ombros da equipe e dos erros de arbitragem que sempre roubaram do Atlético o lugar de destaque que merece no “cenário esportivo mundial”, Silvestre foi negociado e teve sua carreira, estigmatizada pelo episódio, abreviada.
Na delicada abordagem levada ao ar hoje no programa, encontramos um Silvestre de sorriso triste, ainda envergando as camisas do Galo, para o qual não deixou de torcer. Vítima de outros revezes do destino, como o da doença que lhe levou uma filha que não completara 14 anos, Silvestre, digno, controla as lágrimas e diz que “continua correndo atrás”. Ele vende coco verde e caldo de cana num bairro humilde de Contagem.
Silvestre, quase 30 anos depois, continua correndo atrás. Movido pela convicção de quem agiu como lhe pareceu certo, o zagueiro segue adiante, defendendo a meta da família e sonhando com um título do Galo para colocar no lugar, hoje como torcedor, daquele que um capricho da bola fez escapar na condição de atleta.
Ao atleticano Silvestre, personagem da tragédia alvinegra, fica uma homenagem do ”Meio de Campo” no apagar de luzes do centenário. Feliz ano novo!
Alexandre Freire