1 de dezembro de 2008

Sobre malas e ética

A discussão sobre a interferência do incentivo financeiro nas rodadas decisivas da série A, a mais rentável do futebol brasileiro, é assunto que rende longas e freqüentemente tediosas discussões. Correndo o risco de somar nestas, mas com a intenção de ajudar a esclarecer as implicações do problema, deixo minha opinião neste blog.

As principais posições podem ser resumidas entra as que são tolerantes com a mala branca – incentivo para que a equipe vença – e as que consideram a mala preta – receber dinheiro para perder – inaceitável. Trata-se de um caso típico de perspectiva ética ligada a fins, quer dizer, dar dinheiro para ajudar a vencer (o fim), pode; para incentivar a perder (outro fim), não pode.

Talvez isso seja suficiente para resolver o problema dentro do universo simplório do futebol, dominado por jogadores, cartolas e empresários, e movido pelos interesses econômicos.

Entretanto, se olharmos o futebol como cultura, a simplificação no tratamento das malas não dá conta de apaziguar os corações. A questão principal é a noção de deontologia, quer dizer, de ética das profissões. Se a lógica aplicada ao futebol deixasse as quatro linhas para mudar de campo, por exemplo, para um hospital, as coisas mudariam de figura.

Pensemos num cirurgião que receba incentivo financeiro para operar melhor porque embolsará algo além dos rendimentos que recebe do convênio médico. Como ficariam os pacientes que não têm capacidade econômica para competir com os mais abastados?

Sabemos que isso já acontece por outras vias – a diferença entre o SUS e o hospital particular. Mas podemos insistir. Deixemos de lado as cirurgias programáveis e nos debrucemos sobre o atendimento de urgência, para os quais o palco deixa de ser os hospitais dotados de requintes de hotelaria e transforma-se nas frias e eficientes salas da excelência médica.

Fazer pouco caso da influência das malas é subestimar o que um time representa para sua torcida. Como explicar, por exemplo, os mais de 57 mil torcedores do Atlético no Mineirão ontem contra o Santos? Um jogo que valia pouco levou essa multidão ao estádio apenas para despedir-se de seu time. Trata-se de cultura, não de mercado.

Um time de futebol, no Brasil, convoca apegos, identificações e compromissos que escapam à visão estreita do mercado. Duvido, para citar outro exemplo de torcida, que os botafoguenses estejam satisfeitos com a atitude dos atletas que vestem a camisa com a estrela solitária.

Ontem, em De Salto Alto, vimos que o Direito costuma se socorrer na confortável posição de que o que não é proibido não é ilegal. Ética fica para outros discutirem. Também aprendemos, com o quadro do Meio de Campo, com um professor de história do esporte, que a mala é antiga.

Legal foi ver duas pessoas do povo, interpeladas pela repórter Carol Delmazo, condenarem a mala. Ouvir de gente simples, comum, as verdades que escapam aos especialistas nos faz pensar. A ética sofre à medida que a eficiência reina. Daí que precisemos tirar um pouco de nosso tempo para pensar na prática humana. É reconfortante ouvir um pouco do velho bom senso. Da lealdade de Dario em 1971, quando rejeitou a mala preta, aos depoimentos de gente que enxerga no futebol mais esporte que negócio, mais paixão que cálculo, mais arte que técnica.

Alexandre Freire escreve às segundas-feiras

2 comentários:

  1. Excelente texto Alexandre. Faltam reflexões deste tipo não só no esporte, no futebol, mas na sociedade como um todo.
    A permissividade ao uso de meios ilícitos para justificar fins lícitos deve ser condenada, é por causa dessa permissividade excessiva que temos que ler noticias de dinheiro em malas, cuecas...
    Abraços e parabéns pelo texto!

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  2. Acho que os incentivos financeiros desse tipo são uma das coisas mais podres do futebol. É lamentável saber que essas coisas existem, e o pior ainda é saber que não tem como exterminá-las do esporte. A obrigação do profissional é entra no seu ambiente de trabalho e o fazê-lo da melhor forma possivel, sempre.

    Rafael Wendel
    http://passesdeletra.blogspot.com

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