Na Copa de 70 o ritual foi repetido a cada partida, da estréia com sobressalto contra a Tchecoeslováquia, que nem existe mais, à final contra a Itália, passando pelo jogo que mais me marcou – o 1 a 0 contra a Inglaterra, país que aprendi a amar aos poucos, do conhecimento da língua ao conhecimento do povo.
Quase quarenta anos depois, a Seleção de Dunga ganha a Copa das Confederações de maneira brilhante, com 100% de aproveitamento, uma maneira de jogar que une eficiência e beleza, uma camisa amarela como o ouro que arrancaram à força de nossas entranhas para nos deixar em troca a pretensão de reinventar o mundo.
Dunga, esse cara merece respeito. Contra uma campanha intolerante da mídia – a qual em alguns momentos fiz coro, devo confessar –, ele mostrou qualidades que cada vez eu mais admiro. Teimosia em achar que sabe o caminho, despreocupação insolente com o que pensa a mídia. E humildade.
Sim, Dunga é humilde a partir do nome. Ninguém tem nesse, dos sete anões, uma referência. Inclusive porque o anão é uma das menores minorias. Sem trocadilho. E com pouco acesso à mídia para dizer que tamanho, na maioria dos casos, não é documento.
Mas voltando à Seleção, Dunga é consistente. Convoca quem ele acha que está jogando bola, como observou o Túlio Ottoni em postagem neste blog. Isso de jogar com nome, já era. Ronaldo, Ronaldinho e Adriano, se quiserem voltar a vestir a camisa amarela, vão ter de suar. Dólares na conta não contam. Com a base que fica da Copa das Confederações, Ramires incluído, estamos com uma mão no hexa sem eles, mas com humildade.
Nesse domingo, o Brasil me lembrou o time de 1970. Aquele para o qual havia um ritual. Seleção de Zagallo depois da de João Saldanha. Havia uma caixa de foguetes, marca “Caramuru”, uma caixa de fósforos usada para acendê-los, com uma face kitsch, tipo “lembrança de Araxá”, com uma gravura do Grande Hotel, pipoca e lugares fixos na sala diante da televisão. Ah, e tinha uma coisa. Só se podia sair do lugar – para ir ao banheiro, por exemplo – no intervalo. Tudo muito profissional. Éramos ao nosso modo um time.
Naquele ano, ignorante da ditadura que me cercava, achei que éramos um grande país. Vim a saber depois que o grande país que imaginávamos se confundir com a Jules Rimet, na sua grandeza, naquele momento só era verdadeiramente maiúsculo nos sonhos de quantos brasileiros sacrificaram seu amor pela bola em nome de utopias que ainda estavam adormecidas.
Hoje, quando os Estados Unidos abriram dois gols de frente, vesti a camisa amarela. Não ao pé da letra, que camisa mesmo só tenho do Galo, que raramente uso porque o trago o tempo todo no peito, mas na alma. Ainda que minha cabeça estivesse em várias coisas, por causa do programa Meio de Campo, o coração estava ao lado dos onze jogadores que entraram para mostrar ao mundo que não somos pentacampeões por capricho do destino. Temos a manha, se me permitem um linguajar da área.
Parabéns à Seleção, ao Dunga e, particularmente, a dois jogadores que mostram que a arte não está desassociada do suor – Luis Fabiano e Lúcio. Ambos encarnam o espírito desse novo tempo. Como diriam Obama e Pinel, de lados diferentes do Equador e do campo, “Yes, we can”. No futebol e em todas as outras instâncias de vida em que nos metermos, como povo, a abraçar.
Alexandre Freire é jornalista.
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