O Meio de Campo especial de hoje sobre o Cruzeiro pelos 88 anos de criação do clube traz como ponto alto o depoimento de Natal Carvalho Baroni – o jovem ponta direita que no time celeste de meados dos anos 60 ganhou tudo, como ele próprio faz questão de frisar na entrevista a Fábio Pinel.
Entre aspectos anedóticos da Raposa de quarenta anos atrás, como a fama de bom prato de Piazza ou o jeito retraído de Tostão, e aspectos de uma vida menos glamourosa dos jogadores, que lavavam os próprios uniformes e se alimentavam de arroz-com-feijão básico, a fala de Natal toca em aspectos importantes da identidade do time celeste, cujos traços marcariam o percurso posterior do clube.
Como defende o professor e escritor Marcelino Rodrigues da Silva, pesquisador do futebol e dos discursos criados em torno do esporte, não é fácil descrever claramente os percursos que deram a Cruzeiro e Atlético as características de times de grandes torcidas. De maneira simplificada, contudo, poderíamos dizer – a partir das reflexões do especialista –, que o Galo se estrutura em torno de um eixo que combina tradição (time de famílias ligadas à construção de Belo Horizonte) e mudança (rápida passagem ao profissionalismo e à inclusão de jogadores negros).
Já o Cruzeiro se funda primeiro na matriz da imigração italiana para a infante capital – no Palestra Itália – e depois se abre aos contingentes da população que fizeram do trabalho o caminho para a ascensão social e expressão de uma identidade. Curioso é perceber que grandes torcidas celestes, como a China e Máfia Azul, trazem no nome referências ao estrangeiro.
De tal forma que podemos defender, quando falamos sobre a identidade de Atlético e Cruzeiro, e sempre correndo o risco que a simplificação do pensamento no âmbito de um texto para blog impõe, que o primeiro está mais próximo da tradição e o segundo da modernização.
Natal, na entrevista, lembrando sua época de jogador sob a administração modernizadora de Felício Brandi, reforça essa hipótese. Brandi cuidou dos interesses do Cruzeiro olhando para frente e assumindo riscos para formar um time de expressão nacional. Nessa construção, valores mais racionais, ligados ao trabalho duro, ao sacrifício para investir, ao espírito de equipe, ajudam a explicar o fato de o Cruzeiro ser mais bem-sucedido que o rival alvinegro em termos objetivos – conquistas, títulos.
O “Diabo Louro”(como ficou conhecido o ponta cruzeirense por seus cortes rápidos em direção ao gol adversário), ao prestar homenagem ao profissionalismo emergente dos jogadores de seu tempo no clube celeste, nos leva a entender um pouco mais da lógica que explica o time da Toca.
Isso também ajuda a pensar que cabe ao Galo perseguir uma administração eficiente, com trabalho e sacrifícios, para voltar efetivamente a fazer parte do primeiro escalão do futebol brasileiro. Os velhos bordões alvinegros de tradição, raça e torcida apaixonada já se esgotaram como elementos capazes de garantir títulos. E, sem esses, o clube centenário só verá aumentar sua distância para o rival, que em doze anos atingirá a prestigiosa marca de existência.
O futebol, ao contrário do que imagina muita gente – sempre convém repetir – não é um esporte como outro qualquer. Da Sociologia à Propaganda, da Psicologia à Poesia, da Ética à Política, os tais vinte-e-dois jogadores correndo atrás de uma bola levantam – além de poeira – hipóteses para entender melhor o que somos e por que esse esporte sempre falará de vida e paixão.
Alexandre Freire é jornalista
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