23 de março de 2011

Jogo-treino

Roberval era o craque do time. Tinha todas as qualidades de um grande jogador. Alto para as bolas aéreas, sua cabeçada era como um tiro, forte e certeira. Sua altura não inibia a habilidade com a bola nos pés. Driblava com malandragem, corria com velocidade, lançava com maestria e batia a gol com uma precisão invejável. Seu domínio de bola era uma coisa fantástica. Certa vez, num jogo contra o Tupinambás, recebeu um lançamento pelo alto da defesa, fincou as chuteiras no gramado, inclinou-se para trás e deixou a bola grudar no peito. Grudar mesmo. Foi correndo com a pelota junto de si passando pelos adversários que, atônitos, não acreditavam naquilo que viam. Já dentro da grande área, deixou a menina rolar pelo uniforme e com um leve toque encobriu o guarda-metas. A bola nem chegou a tocar as redes. Recebeu uma placa pelo golaço.

Mulherengo convicto, fora de campo Roberval não resistia a um rabo-de-saia. Era o alvo preferido das revistas de fofocas. “Craque é visto com duas loiras em motel”, “Roberval, o craque da mulherada”, foi uma das reportagens de capa desses magazines. E ele não fazia questão de esconder. Quando percebia algum fotógrafo chegando, fazia até pose. Mestre na malandragem dentro e fora de campo. Engana-se quem pensa que este era seu ponto fraco, pois este era o seu ponto forte. Na véspera de cada jogo decisivo, Roberval pulava o muro da concentração sem que ninguém o visse e caia no crime, no bom sentido, é claro. Uma superstição, um talismã, uma mandinga, não importa, tinha que rolar algum tipo de sacanagem para ele jogar bem. E quanto mais alto nível fosse o rolo e ninguém soubesse de nada, melhor era a sua atuação. Ano passado, na semifinal do campeonato estadual, o camisa dez pegou ninguém mais ninguém menos do que Samantha Cristina, a super modelo-manequim-atriz-apresentadora de televisão mais badalada do momento. Deve ter sido uma noite avassaladora, daquelas que o sujeito não tem pausa nem para um copinho d’água. Naquele jogo, o time de Roberval precisava ganhar por dois gols de diferença e o craque meteu três golaços. Gols antológicos que quase botaram o estádio abaixo de tanta emoção e alegria.





Com esse segredo, Roberval foi levando o campeonato desse ano na manha. Ele era o artilheiro e seu time precisava de apenas um empate na final para ser campeão. No hotel em que estava concentrado, a mídia caiu em cima. Repórteres e fotógrafos se amontoavam na porta para tentar alguma coisa com os jogadores. Devido a esse pandemônio, o treinador Jurandir pediu que reforçassem a segurança dentro e fora do hotel. “Não quero que ninguém escape. Jogador meu não vai ficar zanzando por aí e nem sair do hotel”, dizia o linha-dura.
“E agora?”, dizia Roberval para si mesmo. A situação estava difícil e ele não sabia o que fazer. Pensou em pedir ajuda, mas “se eu contar pra alguém e não der certo? É melhor não...”, pensou de novo. Voltou para o quarto e ficou para lá e para cá, impaciente. As horas passavam e nada. Deitou. Rolou na cama, ficou de cabeça para baixo, de lado, barriga para cima. É não tinha jeito, tudo estava perdido. Foi quando, já sem esperanças, viu uma playboy no canto do criadinho que ficava ao lado da TV. Roberval pegou a revista, olhou, olhou, olhou de novo. “Quem não tem cão, caça com gato”. E correu para o banheiro para, pelo menos, tentar fazer seu exercício da sorte.

Domingo quente, estádio lotado, partida difícil. Nada dava certo para Roberval e seu time. Bola na trave, goleiro adversário fechando a baliza e zagueiro tirando a pelota em cima da linha. E para piorar, sua equipe tomara um gol no segundo tempo. Roberval não acreditava. Colocava a mão na cintura e olhava para cima. Até que aos 45 do segundo tempo... pênalti, penalidade máxima em Roberval!!!!! Jogada de craque, pegou a bola no meio e foi driblando até sofrer o carrinho que culminou na infração. Jogadores abraçados, comemorando a chance de serem campeões. Roberval pega a criança e coloca na cal. Aliviado, ele olha para o céu como se não acreditasse. “Bendita Playboy”, fala baixinho. Expectativa no estádio. Roberval parte em direção à redonda e com o pé direito chuta. Chuta para fora! Ele não acredita. Não há tempo para mais nada. Pois é, treino é treino e jogo é jogo.


Andre Fidusi é convidado do Meio-de-Campo neste blog.
http://andrefidusi.com


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